sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Experiência de atendimento.


De cada momento com um paciente tento sempre conservar o que foi conquistado de nós dois, o nome, o olhar, o jeito, o sotaque, o carinho, a história, quem sabe até segredos compartilhados, entre dois pouco conhecidos que talvez nem se vissem mais.

É assim que tento enganar as frustrações, pois se o médico (falso professor), o enfermeiro, ou mesmo os outros não sabem ensinar, não se interssam em cuidar, não querem acolher, eu guardo do paciente um tesouro que construimos.

Sem mais delongas, inicio a narrativa de um caso que foi de todo surpreendente. Como estagiária, de praxe, fui chamada para mais uma admissão. Na enfermaria, percebi algumas caras conhecidas, capazes de um "Bom dia" gentil, e na última cama avistei um senhor, de cerca de 80 anos, deitado de forma a dar as costa a mim e, apesar das inúmeras vezes que chamei por seu nome. Perguntei se poderíamos conversar, e chorosamente ele disse "Não". Então perguntei porque estava chorando, e ele mais uma vez grosseiro respondeu "Não lhe interessa." Já um pouco incomodada com tamanha ripidez, mas sem a coragem para respondê-lo à altura, fiz-lhe uma última pergunta a fim encontrar chance de fazer sua admissão, não estaria com um acompanhante? "Eu agora estou sempre sozinho." De certa forma constrangida, frustrada, vencida, sai da enfermaria.

Mas se dos pacientes, mesmo quse sempre sem instrução, não poderia encontrar ao menos simpatia, pouco esperava que o médico pudesse ser menos indiferente, "Se ele não quer ajuda, também não preciso ajudá-lo, quando ele sentir dor, vai falar." Já não tão surpresa, porém não menos indignada, levei o prontuário em branco de volta ao posto de enfermagem e ouvi dizer que aquele era um "freguês da Casa", tinha problema não a história estar em branco.

O resto do plantão foi bastante clamo, mas a frustração confesso perseguiu-me até resolver voltar a enfermaria. O paciente continuava na mesma posição, puxei uma cadeira e sentei-me ao lado do seu leito. Com o tempo, o homem levantou algumas vezes , mas não me deu atenção. Estava travada uma questão de honra, infantil é verdade...

Até que dei-me por vencida, mas só porque já era o fim do plantão e teria aula. Porém ao perceber que ia embora, ohomem não falou nada, mas segurou minha mão e chorou. Fiz-lhe um carinho e voltei a sentar, e ele voltou a se deitar e dar as costas para mim.

No dia seguinte, voltei a procurá-lo. Puxei novamente uma cadeira e desta vez sim ouvi toda a sua história triste. História de um velho-homem-menino que havia tido como único amigo um cavalo, Faísca, o qual só ele sabia como domar (como ele sentia orgulho de contar), foi vendido pelo pai quatro vezes, mal-tratado em todas as casas, só encontrando sossego na cocheira com faísca, que também era vendido com ele. Um dia, quando o dono da fazenda acreditava ter domado o cavalo, este o agrediu e por isso foi sacrificado e seu Gabriel (era este o nome dele) foi expulso da fazenda. A primeira e grande perda de sua vida, mas não a última, pois quando jovem se apaixonou perdidamente por uma mulher, com quem teve um filho, mas após um acidente e contrair tétano, por achar que estava com doença contagiosa, vendo-o no isolamento do hospital, roubou dele o filho e deixou dito com a enfermeira que ele levasse sua doença para longe e fosse morrer sozinho.

Seu Gabriel contou-me que havia perdido a fé e se isolou de todos.

Não chorei na hora, mas chorei depois, quanta tristeza...

E apesar de tudo, sai com uma certa alegria me sentindo portadora de um tesouro.



Dedicado a seu Gabriel.

K. Lívia

3 comentários:

  1. Que história mais comovente...
    Tenho certeza que Sr. Gabriel aonde estiver
    sabe que de vc recebeu o melhor presente:seu amor e sua atenção.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. ele percebeu a pessoa especial q é vc...
    caso contrário,naum teria mostrado e sentido mais uma vez as dores da alma dele.
    eu acho q essa é uma função taum médica... do jeito q uma cirurgia,por exemplo,nunca poderá ser...

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